Por Redação
Belo Horizonte, 02 de julho de 2025 – A proposta de “Tarifa Zero” no transporte público de Belo Horizonte tem ganhado força e avançou na Câmara Municipal (CMBH), mas ainda encontra resistências significativas e desafios jurídicos para se tornar uma realidade na capital mineira. A medida, que busca instituir a gratuidade nas passagens de ônibus, é vista por especialistas como uma “chance única” para a cidade, diante da insatisfação geral com o serviço atual.
O Projeto de Lei (PL) 60/2025, de autoria da vereadora Iza Lourença (Psol) e subscrito por outros 21 vereadores, recebeu parecer favorável da Comissão de Legislação e Justiça (CLJ) em 6 de maio de 2025. Nesta quarta-feira, 2 de julho, o projeto passou pela Comissão de Administração e Segurança Pública da CMBH e agora segue para a Comissão de Orçamento e Finanças Públicas. Para ser sancionado ou vetado pelo Executivo, a proposta ainda precisa ser aprovada em dois turnos no Plenário, com o apoio de dois terços dos vereadores (28 dos 41).
Um Transporte em Crise e a Oportunidade Política
O urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Roberto Andrés, autor do livro “Razão dos centavos — Crise urbana, vida democrática e as revoltas de 2013”, destaca a importância política da implementação da Tarifa Zero. “O prefeito (Álvaro Damião) deveria perceber o impacto político positivo da medida. Ninguém está satisfeito com o transporte em BH, o transporte está uma tragédia, não tem ônibus de noite, os ônibus não passam, estão lotados”, avalia Andrés.
O sistema de transporte coletivo em Belo Horizonte enfrenta incertezas e dificuldades, e os contratos com as empresas de ônibus estão previstos para terminar em 2028. A adoção da tarifa zero é vista por estudiosos como um incentivo para o uso do transporte coletivo, com objetivos que incluem a promoção da escolha pelo transporte público em detrimento de alternativas individuais, a redução da emissão de gases de efeito estufa, o aumento do horário de circulação dos ônibus e a integração física e tarifária.
Desafios Financeiros e Constitucionais
Um dos principais obstáculos para a Tarifa Zero é o custo de R$ 1,8 bilhão necessário para manter o sistema de transportes funcionando anualmente. No entanto, Roberto Andrés aponta que boa parte desse custo já é bancada pela prefeitura, com um subsídio atual de R$ 700 milhões. Ele argumenta que a prefeitura terá que desembolsar cada vez mais recursos se não buscar uma solução diferente.
O projeto prevê a instituição de uma “taxa do transporte público”, a ser paga por empresas em Belo Horizonte com 10 ou mais funcionários, como uma das medidas de custeio. Contudo, a relatora da CLJ, Fernanda Pereira Altoé (Novo), apresentou emendas para suprimir essa taxa, considerando-a inconstitucional e ilegal. Segundo a parlamentar, uma taxa pela utilização de serviço público exige especificidade e divisibilidade, ou seja, deve ser proporcional ao uso individualizado do serviço, e a instituição de tributos do tipo “taxa” seria restrita ao exercício do poder de polícia.
Outro ponto do texto visto como inconstitucional é a previsão de que a administração pública municipal observe os objetivos do programa nas contratações, o que, para a relatora, implicaria em ingerência indevida do Legislativo sobre atos de gestão do Executivo, violando o princípio da separação dos Poderes.
Apoio e Oposição
Apesar das ressalvas legais, a proposta tem amplo apoio na Câmara Municipal, com 22 dos 41 vereadores como signatários do PL 60/2025. O presidente da Comissão de Legislação e Justiça, Uner Augusto, parabenizou o projeto como uma “tentativa criativa” de tornar o transporte público mais digno, acessível e universal.
Por outro lado, o prefeito Álvaro Damião (União) não conta com apoio para a Tarifa Zero. A vereadora Iza Lourença reconhece que o texto exige muitos debates, mas expressou a intenção de conversar com cada vereador para conseguir a aprovação e implementação do projeto em Belo Horizonte.
Atualmente, 136 cidades brasileiras já adotam a Tarifa Zero como regra no transporte público, e outras 27 a concedem de forma parcial. Juiz de Fora, em Minas Gerais, tem um projeto encaminhado e pode ser a primeira cidade com mais de 500 mil habitantes a adotar o modelo. Se aprovada, Belo Horizonte poderia ser a primeira capital a implementar a Tarifa Zero.
Uma mobilização social tem se intensificado para dar força à proposta, incluindo um show de artistas no último fim de semana (29 de junho) em defesa da Tarifa Zero. A questão do transporte público em Belo Horizonte se assemelha a um nó górdio, onde a solução exige não apenas um corte audacioso, mas também a habilidade de desvendar complexas amarras financeiras, legais e políticas.
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